por Ana Patrícia Peixoto
Psicóloga e Psicoterapeuta Biossistêmica
Ser terapeuta é estar disponível ao exercício constante de crescimento, é estar aberto ao encontro com o outro criando vínculos. O contato que cria proximidade e distância.
Partindo da ideia que a interação corpo a corpo é uma das formas mais poderosas de aprender novos padrões, podemos afirmar que é através do corpo que nos comunicamos com o mundo ao nosso redor. E somos influenciados e influenciamos o outro.
Para Keleman, as experiências vividas têm o poder de moldar e remodelar nossas atitudes, posturas e ações corporais nos tornando diferentes ao longo de nossas vidas. Isto é, vivemos transições que nos leva de um corpo para outro corpo num processo constante de amadurecimento em direção a nossa evolução humana.
Partindo desse pensamento, compreendemos a pessoa do terapeuta como alguém que precisa trabalhar no seu corpo (dimensão física, espiritual, mental e emocional) para mudar a forma como usa a si mesmo. Podendo, então, estar aberto para o outro que o procura, que busca o seu “saber que cura”.
Pois quando uma pessoa procura ajuda terapêutica ela deseja encontrar respostas para mudanças que a levem ao prazer, ao crescimento de suas potencialidades, ao desprender-se do passado.
Para ajudá-la nessa jornada, o terapeuta precisa estar presente para acolher seu sofrimento, suas angústias, seus medos, suas raivas, seus desejos… e dar suporte para que ele possa trilhar o caminho onde vai aprender novos comportamentos e reorganizar suas ações e respostas, ou seja, mudar a sua forma: atitude, postura, padrão respiratório.
O cliente projeta na figura do terapeuta as qualidades que precisa para seu crescimento
Nessa relação que se estabelece, o cliente projeta na figura do terapeuta as qualidades que precisa para operar seu crescimento. Ele busca conexão (vínculo pré-pessoal) e contato (vínculo pessoal).
A relação terapêutica é, principalmente, uma história de vínculos (onde se dá à transferência), do como eu estabeleço o contato com o outro a partir da minha história pessoal (experiências adquiridas ao longo da vida). Podemos dizer que esse é um encontro – terapeuta-cliente – que envolve, principalmente, uma troca de sentimentos.
André Lapierre faz um alerta importante sobre o lugar e papel do terapeuta: “O terapeuta não pode fazer uso do cliente como objeto complementar de sua falta”, seja ela sexual, afetiva, narcísica, de poder, etc. Isto é uma traição à alma e a confiança do cliente.
Portanto para evitar que se utilize da técnica como meio de manipulação do cliente por parte do terapeuta, Boadella recomenda que este trabalhe com o coração.
Trabalhar com o coração aproxima terapeuta e cliente numa relação humana de duas vias e estabelece uma ética de respeito àquele momento que está dedicado ao processo de crescimento e mudança do cliente.
Nesse sentido, Osho nos contempla com profundas reflexões acerca desse “curador”, o terapeuta. Ele fala do amor como caminho da cura, e que para o terapeuta trabalhar com seu coração ele precisa abrir mão do seu ego, ou seja de suas defesas narcísicas. Ser terapeuta nas palavras de Osho:
“Terapia é basicamente uma função do amor, e o amor somente flui quando não há ego. Você só pode ajudar o outro na medida em que você não é egoísta. No momento em que o ego entra, o outro se torna defensivo. O ego é agressivo; ele cria uma necessidade automática no outro de ser defensivo. O amor é não-agressivo. Ele ajuda o outro a permanecer vulnerável, aberto, não-defensivo. Portanto, sem amor não há terapia”.
No Oriente, a nossa abordagem é de que o terapeuta não tem de fazer nenhum trabalho. O terapeuta torna-se simplesmente um veículo para a energia de Deus. Ele tem somente que estar disponível como um bambu oco, de maneira que Deus passe através dele. O curador tem de se tornar simplesmente uma passagem.
Já Boadella nos fala que ser terapeuta é ser “dançarino do contato”, é compreender que vínculo o cliente está precisando estabelecer e que vínculo ele precisa desmanchar. Olhar o vínculo na relação terapeuta-cliente é olhar e entender atitudes motoras, atitudes musculares, expressões faciais, sentimentos, contra sentimentos que reconhecem os gestos corporais e expressões motoras como o verdadeiro espelho de sentimentos e necessidades.
Especialmente gosto da fala de Keleman sobre a interação que se dá entre terapeuta e cliente. Nessa interação, podem surgir quatro tipos de vínculos que estarão diretamente relacionados com a demanda das necessidades do cliente e como o terapeuta responde a elas.
Essas demandas estão relacionadas às fases de desenvolvimento que se inicia na vida pré-natal e continua na vida pós-natal até estar concluído o processo de maturação biopsicosocial.
A seguir vamos falar de cada um deles para ajudar a ampliar o olhar sobre a relação terapêutica.
Tipos de vínculos terapêuticos:
Vínculo Uterino: baseia-se na fusão. Aqui cliente e terapeuta se tornam um só.
O terapeuta ocupa o lugar do útero e o cliente o lugar do embrião que recebe sem limites.
Vínculo Boca-seio: baseia-se na fome, na demanda. Aqui terapeuta e cliente estão separados, mas a relação é exclusiva como mãe e bebê.
O terapeuta é a fonte de alimento e o cliente é a fome e a necessidade.
Vínculo genital a genital: baseia-se numa conexão intima e próxima.
O terapeuta ocupa o lugar do objeto de amor, o amigo íntimo fantasiado e o cliente o deseja.
Vínculo corpo a corpo: Baseia-se na relação de um membro da família, um amigo e um par.
O terapeuta ocupa o lugar do irmão mais velho, da tia, da professora… e o cliente o ver dentro e fora, estável e mutante, alguém em quem ele se encerra, mas de quem se separa.
Tipos de terapeutas:
O terapeuta vem ao encontro do cliente com sua história e com suas necessidades podendo atuar com uma postura invasiva, privativa ou estabelecer o diálogo.
Terapeuta Invasor: Penetra o cliente, não respeita os limites do cliente por meio de interpretações que atingem o inconsciente e/ou por técnicas corporais de pressão para forçar resposta e esmagar a resistência do cliente.
Terapeuta que priva: Abstêm o cliente dos “alimentos” básicos que ele precisa para seu crescimento. É o privar da experiência verbal (recusa palavras) e da experiência sinestésica (recusa o corpo).
Terapeuta que estabelece diálogo: estabelece uma relação dinâmica a nível verbal e não verbal, e tem um contato de ressonância com o cliente. Nessa relação o terapeuta tanto aprende como ensina ao cliente.
Boadella coloca que existe dois tipos de terapeuta. Um é do tipo impessoal e o outro é do tipo pessoal.
Terapeuta muito impessoal: Tenta ser objetivo, mantêm seus limites escondidos, permanece como tela vazia ou prática uma técnica especifica.
Terapeuta muito pessoal: Muito subjetivo, estabelece uma relação simbólica com o cliente, deixa transparecer seus desejos pessoais na sessão e é incapaz de trabalhar com a transferência e a contratransferência.
Uma explanação dos 5 estilos de atividade / receptividade na relação terapeuta-cliente trazido por Boadella, que ele chama de níveis de interação que podem ocorrer em qualquer momento da terapia onde um deles pode ser mais útil. É a habilidade do terapeuta que vai perceber qual opção de interação mais apropriada que dará a ele mais mobilidade e resultará num melhor trabalho.
Nível Um: Terapeuta ativo – Cliente reativo.
Nível Dois: Terapeuta ativo – Cliente responsivo.
Aqui o cliente responde a iniciativa do terapeuta com mais motivação, mais individualidade nas reações incluindo modificações na sugestão inicial.
Nível Três: Intermediário. Centro do espectro.
Neste modelo de interação não está claro quem guia nem quem segue. O PROCESSO é o motor primário e os dois seguem a dinâmica interna do processo. Há interdependência.
Nível quatro: Terapeuta é o mestre que segue o cliente. Cliente guia seu caminho. (Termo meu).
Cliente igualmente conduz a sessão e o terapeuta se junta a ele e adiciona algo ao que ele traz em trabalho de movimento, para dá suporte físico ou ampliar um movimento iniciado por ele.
Nível cinco: Terapeuta apóia o crescimento. Dá tempo e espaço para o novo. Cliente se recria. (Termo meu).
O terapeuta encoraja o movimento, o fluxo da linguagem e a expressão emocional. Dá espaço, concede tempo, incuba, ajuda, permite as pausas “gestacionais”. Aqui há mais contato com o “estar” do que com o “fazer”. É uma espera criativa, pois permite ao cliente organizar suas experiências para si pela primeira vez.
O estilo do terapeuta nada mais é do que ele ser coerente consigo próprio e que se ajuste a sua individualidade. (Individualidade # caráter).
O lugar do corpo na psicoterapia
Na terapia corporal, o terapeuta tem seu corpo como ferramenta de trabalho no processo terapêutico para guiar o cliente dando suporte, dando identidade, dando segurança para que ele possa enfrentar seus sentimentos ocultos de raiva, dor e medo associados as suas necessidades cronicamente insatisfeitas relacionadas às suas experiências de vida.
Essa é uma situação onde a transferência se faz fortemente presente, portanto é preciso que o terapeuta esteja bem ancorado no seu corpo – consciente de suas sensações, emoções, desejos – podendo oferecer ao cliente o corpo que ele precisa para sua reconstrução, sua reorganização.
Sabemos que nossa casa é nosso corpo. É conhecendo o nosso corpo que nos conhecemos, e é dessa experiência que podemos ouvir, ver e sentir o outro. Se os nossos sentidos estiverem bloqueados iremos perceber o outro e o mundo ao nosso redor de forma fragmentada, distorcida.
No trabalho corporal é muito importante a percepção que se tem do próprio corpo, como se ver o próprio corpo e a qualidade de contato que se tem com ele. O terapeuta pode usar a si através da técnica de espelhamento, exercícios de conscientização corporal, o espelho, fotos, e desenhos do próprio corpo do cliente para ajudá-lo no processo de conscientização.
O corpo do terapeuta como um caminho de reparação
O terapeuta pode usar seu corpo com uma reconstrução do espaço uterino, proporcionando ao cliente a vivência da matriz primaria de aceitação, adoção ao mesmo tempo em que lhe oferece um espaço organizador para seu crescimento.
O corpo do terapeuta pode oferecer o colo nutritivo ao abraçar e embalar a criança abandonada que vive em seu cliente. Ao acolhê-lo em seus braços de forma que ele escute o coração vivo e emocionado junto ao olhar amoroso da mãe que é também importante para o bebê após seu nascimento.
Podemos dizer que com seu corpo o terapeuta pode ajudar ao cliente a experienciar o estar perto, o estar longe, o reaproximar-se para encontrar o seu espaço interno e externo necessário à satisfação de suas necessidades. E aprender que o outro não nos frustra e sim o que nos frustra é a não satisfação de nossas expectativas de amor projetadas nas outras pessoas.
Através de nossos corpos podemos oferecer ao cliente um caminho de reparação das experiências passadas negativas e traumáticas ajudando-o a que possa fazer novos imprints e ter então a oportunidade de viver experiências mais adaptativas, flexíveis e prazerosas em suas vidas intrapessoal e interpessoal.
Pelo EU-Corpo se pode fazer emergir emoções bloqueadas e reparar a experiência negativa através do trabalho relacional que integra o que estava dissociado oferecendo uma nova experiência, um novo olhar e sentir que traz uma nova experiência emocional e libera o fluxo da vida.
Algumas dicas de como o corpo com suas atitudes, posturas, gestos e movimentos pode integrar emoção e cognição através da experiência sensório-motora e visceral que só o contato empático e contingente entre duas pessoas pode oferecer.
Como podemos trabalhar com o corpo no espaço relacional da terapia biossistêmica:
→Ao estar junto e dando apoio nas costas você propicia ao outro se sentir seguro.
→Por exemplo: No trabalho com grounding invertido (cabeça para baixo) quando o cliente levanta e o terapeuta se coloca perto dele com uma mão na testa e a outra nas costas (base da coluna) em posição de apoio, ele está transmitindo com seu corpo que está presente ao mesmo tempo que transmite segurança.
→Ao tocarmos o pé do cliente colocando o nosso pé sobre o dele com uma leve pressão estamos lhe oferecendo base e contato com o chão – a terra, que tem o significado simbólico de dá contato com a realidade. Ao mexer os pés podemos também estar ativando pelve e abdômen.
→Quando o terapeuta trabalha torcendo o calcanhar com suas mãos ele está favorecendo o fluxo ascendente da energia. Às vezes é muito doloroso devido a contração muscular que existe nesta região do corpo.
→Ao colocarmos nossa mão sobre o abdômen do cliente podemos estar lhe proporcionando segurança diante de experiências que evocam medo ao fazerem o cliente sentir-se exposto, vulnerável, fragilizado em seus sentimentos mais puros e verdadeiros, o que pode permitir o revivenciar de uma experiência traumática passada.
→Ao trabalharmos com as mãos nas mãos podemos oferecer a experiência do abrir-se para o mundo, ou do conter a força para se construir com um ego mais forte, ou ajudá-lo a se conscientizar da sua força interior, ou um acolhimento para sua dor, ou a representação simbólica do “pode contar comigo, eu estou com você…”
→Ao contermos o cliente com nosso corpo podemos estar oferecendo a ele a experiência de lutar pela sua própria vida, de poder se separar e se diferenciar. Ao colocá-lo em nosso colo oferecemos a criança o calor materno e o reconhecimento pelo contato ocular e tônico da relação diádica. O corpo do terapeuta tem também a possibilidade de ser um espaço uterino que oferece a experiência de auto-organizaçao psicocorporal para se reconstruir e renascer através de uma experiência curativa da dor de não ter sido desejado e/ou bem-vindo – acolhimento e pertença.
→No final de todo e qualquer trabalho corporal, o terapeuta deve e precisa se auto-regular, sentir sua energia. Por exemplo: se movimentar, ou respirar, ou alongar-se, ou tocar-se – auto-regulação.
BIBLIOGRAFIA
BOADELLA, David. Correntes da Vida. São Paulo, Summus,1985.
KELEMAN, Slanley. Realidade Somática . São Paulo, Summus, 1994.
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PEIXOTO, Ana Patrícia de S. L. Introdução a Psicoterapia Somática. Texto compilado para fins didáticos, 2004.
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Textos:
BOADELLA, David. O que é Biossíntese. Publicação interna do IFB.
OSHO. Ser terapeuta. Artigo extraído da Internet em 2000.