por Ana Patrícia Peixoto
O que é o trauma?
O trauma pode ser definido como um evento que nos tira do próprio corpo, que rompe nossa capacidade de sonhar, fazer planos e projetar um futuro.
Está entre as experiências que quebram o equilíbrio psíquico e emocional de uma pessoa tirando ela de sua “janela de tolerância” emocional, ou seja, deixando uma pessoa em estado de constante vigilância, muito agitada, com pensamentos confusos, hipersensibilidade aos estímulos provenientes do ambiente externo ou ao inverso: apática e com perda das sensações, fraqueza muscular e ausência cognitiva.
Em todos as duas situações temos uma perda na capacidade em reagir adequadamente aos estímulos provenientes do ambiente externo. Este comportamento à medida que se prolonga no tempo pode levar ao transtorno ansiedade, ao TEPT, transtorno do pânico, fobias, distúrbio depressivo e dissociativo.
É importante entendermos como os transtornos emocionais de grande porte, como o trauma, nos afetam negativamente e deixam marcas profundas na alma.
O trauma tem duas respostas típicas: uma é hipersimpaticotonica que é caracterizada por um comportamento agitado, irritado e de briga, ou outro é hipo com uma reação típica de imobilidade, ausência de ação e sensações. A imobilidade tônica ajuda a não sentir dor ou poupar da morte no caso dos animais.
Nos humanos a imobilidade tem sido utilizada em situações onde os sentimentos e sensações estão hiperativados e as sensações prazerosas, por exemplo, podem deixar inesperadamente de serem vividas como uma excitação agradável e se transformarem em frieza, evitação ou rejeição.
Para Levine (2012) o trauma não é um distúrbio, um transtorno, mas sim um ferimento emocional que pode ser curado. Em vez de ser uma doença no sentido clássico, é ao contrário uma experiência profunda de “des-conforto” ou “des-ordem”, ou seja, não se sentir bem, estar fora de ordem.
Quando perdemos a capacidade de transitar entre estados emocionais intensos e recuperar o equilíbrio retornando a nossa vida normal, significa que estamos presos na nossa história passada.
Isto é, o trauma retirou a capacidade de viver de forma plena e espontânea.
Para Gellhorn, o funcionamento alternado entre simpático e parassimpático representa o estado de saúde e bem-estar de uma pessoa. Porém, temos um distúrbio quando os dois sistemas são ativados simultaneamente e a regulação fisiológica do corpo entra em crise – adição . A outra modalidade disfuncional é derivada da dissociação entre estes dois componentes. Isto é, a ação de um não influencia a ação do outro. Há uma perda da sincronicidade.
A regulação das emoções está associada a estes dois sistemas energéticos.
Quando detectamos perigo, o sistema nervoso autônomo é ativado. Mas especificamente, uma ativação do ramo simpática, colocando a pessoa em estado de alerta e preparando-o para uma ação total onde os músculos se tencionam ao máximo para uma resposta de luta ou fuga – DEFESA ATIVA.
Quando, em uma situação de medo extremo, onde não há a alternativa de defesa ativa, o organismo responde diretamente através da desativação parassimpática, imobilização – DEFESA PASSIVA. Ficar “congelado de medo” descreve a vivência física, visceral e corporal do medo intenso e do trauma.
Ao reconhecer que fatores como agitação emocional, as características psicológicas (temperamento, experiências afetivas) e o tipo de sociedade em que vivemos, influenciam nas nossas ações psicocorporais, no modo de resposta fisiológica que temos diante do estresse, no nosso comportamento e nas nossas atitudes diante do perigo é que entenderemos porque podemos responder adaptativamente a alguns eventos estressantes e enquanto outros nos deixarão doentes.
E, também nos ajuda a entender porque algumas pessoas após um evento estressante/traumático conseguem se recuperar e retornar ao seu equilíbrio emocional e outras desenvolverão TEPT- transtorno do estresse pós-traumático.
Os fatores psicológicos modulam a resposta de estresse:
p.ex. Se uma criança vivencia um estimulo doloroso, e pode acessar sua mãe e chorar em seus braços, a resposta de estresse é menor. Ou seja, as variáveis psicológicas modulam a resposta de estresse ao longo da vida.
Uma característica encontrada em pessoas com trauma relacional é a tendência ao isolamento com dificuldade de contato e de estabelecer relações de proximidade e intimidade afetiva. A desconexão com o corpo cria dificuldade de sentir-se a si mesmo.
Em casos de trauma do abuso é comum o torpor cognitivo acompanhado de temor das próprias sensações, sensações de estranheza e perda de limites que a coloca em uma instabilidade afetiva e constante estado de agitação. A percepção do ambiente externo é comprometida por uma hipervigilância ou pela perda total de percepção de perigo.
Segundo Stephen Porges (2012), a detecção de uma pessoa como segura aciona neurobiologicamente comportamentos pró-sociais, mas se detectar como perigosa vai acionar neurobiologicamente comportamentos defensivos. Em pessoas vítimas de experiências traumáticas ocorre um desequilíbrio no funcionamento neuroceptivo decorrente de alterações no SNC e no SNP.
Quando perdemos a capacidade de transitar entre estados emocionais intensos e recuperar o equilíbrio retornando a nossa vida normal significa que estamos presos na nossa história passada. Isto é, o trauma retirou a capacidade de viver de forma plena e espontânea.
Como tratar o trauma?
A experiência traumática não é “DIGERIDA” ela é “INCORPORADA”. É retirada da consciência clara e abrangente e encaixotada sem etiqueta, assim ela afeta a integridade psicofísica, ela separa a mente do corpo. A lembrança fica dividia em componente corporal e representação mental, de forma que o trabalho terapêutico é de junção entre sensações e pensamento, movimento e representação. Isto significa que precisamos de um tratamento terapêutico especifico para devolver a pessoa a vida que lhe foi roubada.
O trabalho terapêutico tem que atuar na mente e no corpo.
Por meio da memória sensoriomotora, a intervenção é no sistema nervoso autônomo, regulando o sistema energético do corpo, reduzindo os efeitos da desorganização provocada pelo excesso de excitação emocional que foi ativada por um evento especifico. Esta ação terapêutica auxilia no restabelecimento da comunicação entre sistema límbico e córtex.
A memória corporal do evento ativa as respostas de emergências do tipo luta/fuga ou imobilidade diante de estímulos no presente que evocam fragmentos (fhlasback) da experiência traumática, muitas vezes inconscientes, mas que colocam as sensações corporais hiper ou hipo ativadas.
A postura, os gestos e as expressões faciais das pessoas revelam a história não contadas daquilo que aconteceu e não aconteceu quando foram ameaçadas e derrotadas (Levine, 2012, p.53). Isto é, diante do perigo somos preparados para agir de forma eficiente, mas quando diante de uma situação de extremo medo este movimento é interrompido. As posturas habituais e gestos–chave nos contam o caminho que precisa ser percorrido para concluir a ação incompleta.
Temos padrões de ação fixa que nos permite o desenvolvimento de ações mais complexas em todos os níveis de elaboração da informação. Isto é podemos realizar ações sem pensar, de modo automático como andar, desviar o carro de um animal e deixamos a mente livre para lidar com outras tarefas.
A velocidade e natureza automática dos padrões fixos são crucias para a sobrevivência.
No caso do trauma, é a repetição dos componentes destes padrões como fragmentos sensoriomotores (p. ex. sensações intrusas, impulsos motores) que reaparece depois que o perigo passou e contribui para reviver a experiência traumática.
“Quando os componentes da resposta defensiva ao trauma permanecem nesta forma alterada, as pessoas reagem na atualidade de maneira inapropriada ao perceber uma ameaça ou as recordações de uma ameaça passada” (Ogden, 2013, p.23).
Eles podem responder de maneira agressiva ou passiva. Em cada um dos casos a execução de uma ação adaptativa está incompleta, e sem tratamento impede indefinidamente uma ação adaptativa no presente.
O princípio básico na terapia do trauma é acalmar o sistema nervoso
Então, o princípio básico na terapia do trauma é acalmar o sistema nervoso por meio do trabalho corporal, concluir a ação inibida fisiologicamente, ajudar a recuperar habilidades protetivas perdidas, reorganizar a percepção diante dos estímulos vindos do ambiente ao regular o sistema de arousal que permite a pessoa retomar o controle da própria vida e diferenciar o presente do passado.
Podemos então dizer que trauma psicológico é toda experiência com sobrecarga emocional que nos tira de dentro da nossa “janela de tolerância” emocional e interrompe o fluxo da vida, nos arremessa para fora de nosso corpo anestesiando os sentidos, nos roubando a capacidade de sonhar e planejar um futuro.
Isto significa que a nível fisiológico estamos com o sistema nervoso em desequilíbrio, o que afeta a nossa capacidade neuroceptiva (Porges) de avaliar as situações como seguras ou perigosas.
Como o trauma afeta os 3 sistemas: cognitivo, sensório-motor e emocional, então precisamos de uma abordagem terapêutica que possa trabalhar nas três dimensões sistêmicas. Primeiro acalmando o sistema nervoso através das sensações corporais, paralelamente ajudando a descarga fisiológica, que foi impedida de seguir o fluxo natural, num espaço seguro para que ocorra a recuperação da regulação dos estados afetivos pelo processo BOTOM-UP.
Por fim auxiliar no desenvolvimento do fluxo da consciência que permite a integração das sensações com a capacidade de avaliação mediada pelo córtex que nos permite retorna a vida de modo mais adaptativo, mais flexível e mais consciente – processo TOP-DOWN.
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sob a coordenação da psicóloga Ana Patrícia Peixoto
BIBLIOGRAFIA
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LEVINE, Peter A. Imobilizado pelo medo: aprendendo com os animais. In: Uma voz sem palavras: como o corpo libera o trauma e restaura o bem-estar. São Paulo: Summus, 2012. Cap.4, p. 48-76
OGDEN, Pat; MINTON, kekune; PAIN, Clare. Il trauma e il corpo: Manuale di psicoterapia sensoriomotoria. Sassari: Istituto di Scienze cognitive Editore, 2012. Cap. 1, p. 3-28
PORGES, S.W. Teoria polivagal: fundamentos neurofisiológicos das emoções, apego, comunicação e auto-regulação. Rio de Janeiro: SENSES, 2012
RUF, Bernd. Destroços e traumas: embasamentos antroposóficos para intervenções com a pedagogia da emergência. 1ed. São Paulo: Antroposófica, 2004.
SIEGEL, Daniel. A Mente em Desenvolvimento. Lisboa: ed. Piaget, 2004.
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